A CPR FÍSICA E A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DO PRODUTOR RURAL

20 de junho de 2024 às 14:59

Juliana Frantz

Com o crescente número de Recuperações Judiciais do Produtor Rural, aumenta, também, a preocupação das empresas credoras quanto a segurança jurídica dos documentos que lastreiam as suas operações.
Uma vez que o financiamento privado é essencial às atividades rurais, a chamada Lei do Agro (Lei 13.986/20) trouxe algumas inovações à Lei da CPR (Lei 8.929/94), dentre elas, a mais importante no tocante à RJ, é a extraconcursalidade da CPR Física.


Um dos títulos mais utilizados para fomentar as atividades do agronegócio tem sido a CPR Física, na qual o produtor oferece em garantia a própria produção para pagamento do seu custeio/financiamento.
Em seu artigo 11, a Lei 8.929/94 dispõe que a CPR Física não está sujeita aos efeitos da Recuperação Judicial, ou seja, ela é considerada um crédito extraconcursal que não terá o seu recebimento afetado caso o produtor entre com pedido de recuperação judicial. Esse dispositivo permite que as empresas continuem fomentando a atividade rural, mais seguros de que conseguirão receber seus créditos no momento da colheita da safra.


Mas por que a Lei do Agro trouxe essa extraconcursalidade para a CPR Física? Como dito acima, na CPR Física a garantia é a própria produção, ou seja, o que foi produzido pelo custeio fornecido, por exemplo: soja, milho, sorgo, algodão… Dessa forma, a produção não se enquadra na definição de bens de capital essenciais à recuperação judicial.


De acordo com a definição dada pelos Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em especial, a Ministra Nancy Andrighi[1], os bens de capital são, na realidade, os imóveis, as máquinas e os utensílios necessários à produção. Para ela, o elemento mais relevante nessa definição não é o objeto comercializado pela pessoa jurídica em recuperação judicial, mas sim o aparato, seja bem móvel ou imóvel, necessário à manutenção da atividade produtiva – como veículos de transporte, silos de armazenamento, geradores, prensas, colheitadeiras e tratores. Em contrapartida, a ministra definiu bens de consumo como aqueles produzidos com utilização dos bens de capital, duráveis ou não duráveis, e que serão comercializados pela empresa ou prestados na forma de serviços.


Por esse motivo, uma vez que a produção é um bem de consumo e não de capital não está sujeito ao “stay period”, aquele período de 180(Cento e oitenta dias) no qual não se vende ou retira nada da fazenda, em se tratando de bens de capital essenciais à recuperação do produtor rural.
Por se tratar de um tema que vem sendo bastante enfrentado pelos Tribunais, é de suma importância que os credores saibam demonstrar que seu crédito é extraconcursal e que as medidas para garantir o seu recebimento devem ser continuadas, ainda que, em meio ao recebimento da safra o produtor entre com o pedido de Recuperação Judicial.


Foi em busca desse entendimento que recentemente foi enfrentada essa discussão perante o Tribunal de Justiça da Bahia. Com uma medida cautelar de arresto/sequestro para recebimento de grãos de soja em andamento, o produtor rural entrou com pedido de recuperação judicial, suspendendo a medida liminar concedida em favor do credor.


Ao apresentar recurso perante o Tribunal de Justiça da Bahia, foi apontado exatamente os quesitos de extraconcursalidade do título, por ser uma CPR Física e a demonstração de não essencialidade dos bens, corroborando com o entendimento do STJ. O Tribunal analisou o pedido e entendeu os quesitos concedendo a retomada da medida liminar de arresto/sequestro dos grãos de soja, garantindo ao credor a satisfação de seu crédito.


Outros tribunais de justiça já enfrentaram a matéria, sempre corroborando com o entendimento do STJ no quesito de que a CPR Física não está sujeita aos efeitos da Recuperação Judicial do Produtor Rural e que a produção não é considerada bem de capital essencial à recuperação do produtor rural.
A adoção de tal entendimento é de extrema importância tanto para o credor quanto para o produtor rural em recuperação judicial, uma vez que, o credor se sente seguro em continuar fomentando a atividade rural e tendo a satisfação de seu crédito e o produtor rural consegue produzir com custeios concedidos por empresas privadas.


Juliana Frantz é especialista em Direito Agrário e do Agronegócio